terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Entrevista: “Nossa geração está engessada”



Brena Vila Nova
especial para o Jornal VANGUARDA

Em 1982, no Sesc Caruaru, Prazeres Barbosa começou seu encontro com o teatro. Na época, o ator Severino Florêncio passou a ser seu aliado na arte de atuar. Em 2014, ela completa 32 anos de carreira como atriz. No currículo, Prazeres acumula participações em sete seriados, 11 novelas e 21 filmes. Hoje, morando no Rio de Janeiro (RJ) e integrando o seleto elenco da Globo, a caruaruense relembra, na segunda entrevista da série sobre gestão cultural, o início da carreira e os desafios que enfrentou para seguir em frente.

Jornal VANGUARDA - Por ter começado como atriz em Caruaru, como você avalia os incentivos das gestões públicas em arte na cidade?
Prazeres Barbosa - Desde 1982, quando me descobri atriz, a classe artística nunca teve tempo farto, nem investimentos legais das gestões públicas. Arte nunca foi um segmento que atraiu os sentidos dos governantes. Talvez, devido ao desconhecimento da importância disso na formação do indivíduo como cidadão. Quando se está no poder, os gestores esquecem que sua primeira formação de vida social ocorreu em sala de aula. Os primeiros amigos. O primeiro aprendizado. Os primeiros limites, movimentos, desenhos, canções, emoções, que indiscutivelmente resultam nos gostos, preferências e posicionamento social. Independente da gestão política, nunca aceitei o termo "ajuda", pois artista não precisa de ajuda; precisa de trabalho para sobreviver; pagar suas contas e cumprir com suas funções em prol do crescimento de uma sociedade de mente esclarecida. Portanto, política pública cultural já! Com relação a prefeitos, sempre tivemos relações respeitosas. Todos eles, em seu tempo, apoiaram timidamente viagens de grupos a festivais, porque estavam enaltecendo o nome da cidade. Os governantes precisam ter conhecimento do valor da cultura do seu povo.

JV - Qual é o primeiro passo para uma política pública cultural numa cidade como Caruaru?
PB - Acredito no poder da união. É necessário a junção da classe artística em todos os segmentos, e cobrar "ferrenhamente" seus direitos como artista e como cidadão. Sozinhos ou divididos, somos invisíveis. Precisamos, unidos, fazer valer nosso potencial e exigir direitos. Eu sempre acreditei que há recursos para todos os segmentos de uma gestão pública. Vamos cobrar a parte que nos toca! Se o artista fosse visto como peça fundamental para o crescimento cultural da cidade, não teríamos tanta violência e perda da infância. Fora isso, é conversa fiada!

JV - Por que os caruaruenses ainda não conhecem os artistas caruaruenses? Falta plateia?
PB - Por falta de embasamento artístico cultural nas escolas públicas. Somos e gostamos daquilo que nos foi apresentado na infância. O que se anda ensinando e o que se anda aprendendo? Já estamos sentindo esse déficit há décadas. E o poder público fecha os olhos, achando que não vale a pena esse tipo de investimento. Existe disciplina que estimule a valorização do ser humano, como ser criativo e inovador? Por onde anda a descoberta de novos poetas, escritores, intérpretes, pensadores? Só a arte é capaz disso! Será que vamos ter que conviver com essa indiferença por mais tempo? Acorda, Caruaru!

JV - Lendo sua biografia, percebi uma mulher de personalidade e firme senso crítico com relação à vida, à arte e à política. Em uma cidade como Caruaru, você não teve medo de ser mal vista na época em que decidiu ser atriz?
PB - Aprendi, com o tempo, a não dar tanta importância à "opinião" dos que não gostam de mim; ela será sempre tendenciosa! Sou daquelas que não dá chance a "futricas ou fofocas". Minhas falhas, meus deslizes, minhas fraquezas, eu mesma exponho. De resto, os que me censuram ou falam mal de mim é que, no íntimo, gostariam de ter um pouquinho de mim em si.

JV - Você acredita que os artistas, muitas vezes, se tornam reféns da politicagem com medo de combatê-la?
PB - Sou terminantemente avessa a esse tipo de domínio. Somos seres livres, por essência, e como tal não devemos nos submeter à massa de manobra. Os que se submetem jamais chegarão a lugar algum. Como artista, aplaudo os bons feitos, critico os desatinos e rejeito a incoerência. Minha camisa não tem cor, tem dignidade. Capricho, para jamais fazer número; farei a diferença.

JV - Também é muito difícil convencer a iniciativa privada da cidade a investir em arte e lazer. Por que os empresários não acreditam que esse tipo de investimento é uma opção rentável, visto que envolve a responsabilidade social com quem vive e consome na cidade?
PB - Os empresários não têm conhecimento da importância que a arte pode ter. Somos o que aprendemos em casa e na escola, quando criança. Eles não aprenderam. O foco deles não é arte, é rentabilidade sem arte. É por isso que implico na urgência da mudança pedagógica e educacional. Nossa geração está engessada neste sentido. Eles são fruto de uma educação truncada e de um governo indiferente à transformação humana. Descobri, infelizmente, que querer educar adultos é "malhar em ferro frio". Ainda temos tempo. Salvem nossas crianças!

JV - O que mais causa decepção no mundo da arte e o que mais te orgulha ao fazer parte desse mundo de luz, câmera e ação?
PB - Minha maior decepção é com os que podem fazer a diferença e não fazem por covardia e descrença no que poderia ser e não é. Já o que representa motivo de orgulho é compreender meu ser único no que posso fazer e ser. O artista não precisa de permissão nem ser eleito para existir. Ele existe.

JV - Qual é o segredo para o sucesso?
PB - Aproveitei o momento e fiz uso de certos predicados que me acompanharam a vida inteira como atrevimento, destemor, ousadia, confiança, disciplina, insubordinação à mediocridade e perseverança. Sonhei, criei asas e voei no tempo certo, no momento exato; embalada pelos ventos favoráveis. Não há varinha de condão. Há confiança, determinação e sonhos. Sonhei. Acreditei. Realizei.

JV - Que recado você deixaria para os artistas de Caruaru que se sentem acuados e sem força para prosseguir com o amor à arte? É possível realizar um sonho que se sonha junto?
PB - Sozinhos, somos um pouco do quase nada. Reivindicar em parceria ainda é o melhor caminho. O individualismo nos torna frágil e sem voz. Um sonho que se sonha só, solitário será para sempre. No mais, é se unir e correr para o abraço. Nunca me debrucei nos braços da desesperança, porque ela não tem braços.

JV - Na sua opinião, é possível um artista de Caruaru se sentir realizado morando, vivendo e fazendo arte em Caruaru com as coisas da nossa terra e para nossa terra?
PB - Certamente que sim! Fiz isso durante 25 anos, mas sobrevivia do salário de professora. Mudar de lugar ou voar adiante é uma questão pessoal, que requer garra e coragem. Quando queremos ir, não precisa que ninguém empurre. Apenas vamos. Quando duvidamos da nossa capacidade ou deixamos as decisões nas mãos dos outros, anulamos a nós mesmos e a ilusão de sonhar se distancia.

JV - Morando numa cidade como o Rio de Janeiro, que tem tanto a oferecer ao turista o ano inteiro, que recado você deixaria para os gestores de Caruaru que precisam pensar no movimento turístico o ano inteiro e não só durante o São João?
PB - Acho que até o São João tem mudado, não? Eram 40 dias, depois 30, 27... E agora 17 dias. Sem trem, sem ônibus, sem voos, sem desfile, sem drilhas, sem concursos, sem ruas enfeitadas e competitivas, sem casas de forró, sem pé-de-serra espalhados na cidade e recebendo turistas, sem tradições folclóricas, sem fogueira e fogos iluminando as ruas, sem concurso de quadrilhas nas escolas, praças e palcos, sem adivinhações nas fogueiras, sem o milho assado em frente de casa. Sem quase nada, e com o agravante de ter hora para começar e terminar a festa. E olhe que é o único investimento de peso que a cidade faz numa festa popular, proclamada como a maior e melhor do mundo! Desculpem o desabafo, mas como falar em turismo quando a única bandeira levantada - o São João de Caruaru - anda nesse pé? Precisamos entender esse mistério. Como andam os investimentos no Alto do Moura, no Monte do Bom Jesus, na Feira de Artesanato, nas bandas marciais, nos museus, nos parques ecológicos? E o Teatro Municipal? Onde está? Não tenho como responder a sua pergunta.

JV - Teve um ano que encontrei você no São João de Caruaru, enquanto eu estava trabalhando entre um camarote e outro. E, na ocasião, ocorreu um intervalo no palco principal e nesse meio tempo entrou uma ação promocional de uma bebida com personagens do filme "Alice no País das Maravilhas" e o repertório era música eletrônica. Lembro a sua reação escandalizada com aquilo em pleno palco principal do São João. A cada ano, a festa tem perdido sua originalidade? Perde Caruaru e perde o turista?
PB - Sem sombra de dúvida, perde Caruaru, perdem os turistas, perdem as lideranças políticas e, principalmente, o povo da cidade. Sou "bairrista" por amor à minha cidade. Ostento seus valores e pudores, mas não me furtarei aos seus percalços. Legitimidade e originalidade sempre foram bandeiras levantadas por décadas a fio. Enquanto nos achavam "pacatos", fazíamos a maior festa junina do Nordeste. É só fazer uma retrospectiva e comprovar. Era São João na cidade, nas ruas, nos bairros, nas praças, nas escolas... Eita saudade da cachorra da moléstia!

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